CAPÍTULO 2: A MAGIA DA COMUNICAÇÃO

Segunda regra: Fale a linguagem do povo.

– Só isso? – perguntou Ricardo rindo.

– Só isso – afirmou o Sr. João – mas é um conselho fundamental para o êxito.

Nesse momento, Fausta, a “senhora do cafezinho”, como era chamada, entrava com uma bandeja na mão. Trazia café e água mineral. Serviram-se. O Sr. João agradeceu com amabilidade e continuou falando:

– Algo muito importante pode ser dito da seguinte maneira: não puxe a cauda do gato nem abuse da paciência do eleitor. Quando eu era vereador numa cidade do interior, tinha um colega que era muito erudito, seus discursos se caracterizavam pelo nível cultural, cultura demais segundo diziam os outros vereadores. Ele tinha o costume de falar com terminologia difícil, utilizando palavras desconhecidas pela maioria. Um dia, estava no Banco, quando o caixa me reconheceu e começamos a falar. Ele me disse: “Aquele professor que é vereador, para entender o que ele diz, só levando o dicionário e consultando enquanto ele fala.” O Sr. João sorriu e bebeu um pouco de café, depois continuou:

– Não preciso dizer que o vereador só teve um mandato. Não conseguiu reeleger-se, na realidade, nem conseguia se fazer entender.

– É surpreendente que tenha vencido na primeira eleição – comentou Ricardo deixando a xícara de café sobre a bandeja.

– Sim, já foi um milagre! – acrescentou Daniele rindo.

– Na realidade – explicou João – as formas de angariar votos nas cidades pequenas são diferentes das capitais. Raramente o candidato enfrenta grandes públicos. É um trabalho mais... como diríamos... tipo formiga, vai levando sua mensagem de forma vagarosa, como as formigas levam folhas. Mas vocês devem ter visto que, quando atacadas por formigas no final do dia, uma roseira pode ficar sem uma folha. Assim, o trabalho nas pequenas cidades é mais do tipo “corpo a corpo” ou “boca a boca” como fazem os fofoqueiros. Os candidatos visitam os amigos para pedir votos e pedem que estes ajudem vendendo sua ideia para outros amigos. Lembro que, na época, a esposa do professor não perdia uma reunião nem uma festa. Em todo lugar estava ela distribuindo folhetos de propaganda do marido. Ia aos aniversários, casamentos, batizados e até aos velórios, com uma bolsa de couro preta que abria no momento oportuno para distribuir volantes com o rosto do marido e o número, para que as pessoas se lembrassem de votar nele. Ela era seu braço direito, uma mulher simpática e entusiasta, dava a mão a todo mundo, cumprimentava com um sorriso no rosto e um folder de propaganda na mão. Era realmente bonita e encantadora e sabia disso. No Banco, no Correio, na Cooperativa, nas reuniões de pais do colégio, em batizados, aniversários, reuniões, em todo lugar ela chegava preparada: sorriso e panfletos eram suas armas. E não era chata, não. Sabia contar piadas, fazer as pessoas rir, muito simpática, como já disse.

– Isso é suficiente para ganhar? – perguntou Daniele mexendo a cabeça como quem diz não acredito.

O Sr. João sorriu: – No interior, é assim mesmo. Se você é um membro reconhecido da comunidade, se tem bons amigos ou uma esposa ou familiar capaz de fazer relações públicas, você terá grandes chances de vencer. Vejam que até Aristóteles, o filósofo estagirita, considerava que a autoridade era fundamental para um orador.

Fez uma pausa e continuou: – Na realidade, o segundo conselho do decálogo diz: “se você já sabe o que seu povo quer, fale a linguagem dele”. Ao discursar evite palavras arcaicas, não utilize frases longas, nem metafísicas. O idioma literário é ótimo para a academia de letras, mas péssimo para discurso político. Procure frases curtas que demonstrem ação. Valorize cada frase dando ênfase. Grite só quando for preciso. Gritar demonstra energia.

– Que bom o senhor dizer isso! – exclamou Ricardo entusiasmado. – Em alguns comícios políticos, o primeiro orador grita e chama a atenção, o segundo orador continua gritando e o mesmo acontece com o terceiro, com o quarto e com os seguintes. Chega um momento em que o público não tem mais condições de escutar os gritos e mentalmente se desliga do discurso. É necessário vociferar para ser um bom orador político?

O Sr. João riu. – Não é necessário, não. Você pode ser bom fazendo modulações, modificando o volume de voz. Por exemplo, se quiser, pode começar falando em voz quase baixa e ir aumentando o volume da voz até gritar nas partes mais emocionantes do discurso, para depois continuar num tom mais médio. Pode também ir alternando, ora falar em voz baixa ora gritar. Dessa maneira, você quebra a monotonia sem necessidade de deixar as pessoas surdas.

O Sr. João serviu-se de mais café, bebeu e disse: - Gritar nos discursos não é uma criação moderna, não! Aqui tenho um livro que aconselho que leiam: “A Oração da Coroa”. É do pai da oratória grega, Demóstenes, é sua defesa. Nele, diz a Ésquines, seu acusador: “Era certo que ninguém saberia berrar como tu. Eu o creio! E como duvidar disso, se mesmo agora, quando falas, gritas esgoeladamente com um possesso?...”

Gritar tem como efeitos ameaçar os inimigos e, ao mesmo tempo, chamar a atenção. Para Miyamoto Musashi, “a voz é parte da vida. Gritamos contra incêndios, contra o vento e contra as ondas. A voz revela energia”. O grito é uma ferramenta para um discurso empolgante, mas deve ser utilizado com inteligência. Meu professor dizia que existem formas mais inteligentes de chamar a atenção do que gritar, apesar de não negar que, muitas vezes, o grito pode ter um bom efeito.

– Poderíamos dizer então que, para gritar, é preciso esperar o momento certo? – perguntou Daniele enquanto colocava para atrás seus longos cabelos castanhos.

– Sim, realmente existem oportunidades de ouro para levantar a voz. É um recurso muito bom para ser ouvido - disse o político. Daniele tomava notas em sua agenda.

O Sr. João ficou de pé e caminhou até as estantes de livros. Pegou um exemplar de Arte da Retórica e o abriu no livro Terceiro, dizendo: – Sempre existiram oradores que arrebataram o público. Desde os tempos da Grécia clássica o homem procurou identificar os elementos que despertavam as paixões oratórias. Evidentemente, a voz está no primeiro plano. Vejamos o que dizia Aristóteles sobre a voz:

“Esta ação ocupa-se da voz, das diferentes maneiras de empregá-la para expressar cada paixão, ora forte, ora fraca, ora média; estuda igualmente os diferentes tons que a voz pode assumir, alternadamente aguda ou grave ou média, já que se ocupa do ritmo a ser empregado em cada circunstância. Estas três coisas constituem o objeto da atenção dos oradores: a força da voz, a harmonia, o ritmo. (...)”

O Sr. João deixou o livro sobre a escrivaninha e aconselhou: – Treinem a voz. Quando estiverem lendo um livro, conto, romance, crônica ou novela, leiam em voz alta e procurem modular a voz de acordo com o texto ou com os personagens.

Fez uma pausa e depois perguntou: – Qual é o primeiro contato com o público?

– Eu acho que o primeiro contato é quando o candidato é apresentado, ou quando ele diz “boa-noite”, ou talvez quando inicia o discurso.

O Sr. João sorriu. – O primeiro contato é o contato visual – esclareceu – por isso a presença do candidato é importante e pode fazer a diferença. O corpo tem sua própria linguagem. Se você subir numa tribuna e ficar encolhendo os ombros, de cabeça baixa e voz trêmula, estará dando uma mensagem ao povo, uma mensagem negativa que diz: "não confiem em mim, nem eu acredito em mim mesmo. Por que vocês deveriam confiar?”

Ricardo e Daniele riram.

– Ao contrário – continuou João – quem subir à tribuna de cabeça erguida e nariz empinado estará dando uma mensagem do tipo: "eu sou o dono da rua". Também poucos vão gostar dele. Por isso, os pés não podem estar muito separados. Os ombros devem estar erguidos, porém sem rigidez, a cabeça natural e o olhar enfocado no público.

– Isso é difícil – confessou Daniele – olhar o público aumenta minha insegurança.

Foto Flickr por corneliagraco em http://flickr.com/photos/56634448@N08/5224254259


– Olhe sempre as últimas fileiras com um olhar amplo e, se tiver medo de enfrentar os olhares dos presentes, existem duas técnicas que podem ajudar. A primeira orienta para olhar a metade da testa e a segunda diz que o melhor é olhar a ponta do nariz dos presentes. Olhando para a testa ou para o nariz dos espectadores, eles sentirão que estão sob o olhar do orador. Isto é importante, pois lembrem-se de que comunicação não é só linguagem. Nós nos comunicamos também de forma não verbal, pelos gestos, olhares, postura, tom de voz, modificações do semblante.

– Sr. João, a roupa também faz parte da comunicação, verdade? – perguntou Daniele.

Ricardo riu. – Minha irmã é louca por roupa.

O Sr. João sorriu e disse: – A maioria das mulheres dá muita atenção ao vestuário. Mas para isso é melhor chamar a Sra. Márcia, minha assessora. Ela também estudou oratória. Dona Márcia é craque no assunto de roupas. Eu sigo seus conselhos que também vão fazer bem a vocês.

O Sr. João apertou um número no telefone e pediu: – Por favor, Márcia, a senhora poderia vir à minha sala? Um minuto depois uma mulher alta, de cabelo curto avermelhado, vestindo um terninho escuro abriu a porta.

– Boa-noite – cumprimentou com um sorriso.

O Sr. João explicou a situação, enfatizando que Ricardo e Daniele queriam entrar para a vida política.

– A primeira condição do político é saber se comunicar. Deve falar sempre com propriedade, dar as mensagens com êxito, seja para uma pessoa que chega a seu escritório, para mil pessoas numa tribuna ou para milhões de pessoas numa emissora de televisão. E chegou o momento de falar de vestuário. Acho que é bom a senhora falar sobre isso, sempre está elegante e vestida da forma certa para cada oportunidade - elogiou João.

Ela sorriu e agradeceu. Em seguida pediu aos candidatos que a acompanhassem até a outra sala. João se despediu e disse para voltarem na sexta-feira.



PRÁTICA: ELOGIO

Essa é uma peça de oratória que se destaca pelo louvor. Evidentemente o homenageado também tem defeitos, mas esses defeitos não são lembrados no momento – a não ser em casos excepcionais para tentar justificá-los. A ênfase é dada aos acertos profissionais, ao carinho que dá à sua família, a suas qualidades como líder, amigo, companheiro, vizinho.



SUGESTÃO : COMO HOMENAGEAR UM LÍDER POLÍTICO

Introdução (prólogo): Pode iniciar com frases típicas como “sinto-me honrado...”.

Desenvolvimento (logos). O orador falará das qualidades do líder, de seus empreendimentos, de sua iniciativa, dos projetos que ele apresentou para o futuro da comunidade. Se o elogiado faz caridade, pode-se citar o nome das instituições filantrópicas que o líder generosamente auxilia. Se já foi premiado, podem-se citar os prêmios mais importantes que recebeu.

Final (epílogo). Pode terminar parabenizando pelo trabalho realizado e pedindo ao público aplausos para essa eminente figura.


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