CAPÍTULO 1 - COMO FALAR SEM MEDO E ENCANTAR O AUDITÓRIO?

LIVRO:  ORATÓRIA POLÍTICA
- DECÁLOGO DO EXCELENTE ORADOR POLÍTICO


da

Professora ISABEL FURINI
Contato: isabelfurini@hotmail.com



O livro "ORATÓRIA POLÍTICA - Decálogo do Excelente Orador Político" da professora Isabel Furini é disponibilizado neste blog, gratuitamente, para todos os interessados.
A professora Isabel Furini ministra palestras e cursos de Oratória, e já publicou "Técnicas de Oratória" (Editora Ibrasa) "Arte de Falar em Público" (Editora Ibrasa) e Oratória Forense (Editora Instituto Memória).




(Esclarecimento: O livro foi estruturado em forma de diálogo entre um orientador e seus alunos para tornar a leitura mais agradável).


1. O orador político deve saber decifrar o que o público quer. As comunidades têm necessidades diferentes. Aprofundar e conhecer a mente e o coração dos eleitores é o primeiro passo. (Manual do Candidato)



Sr. João era reconhecido como um orador político de talento. Planejava seus discursos com inteligência e encantava multidões com suas palavras. Seu verbo era fluente e certeiro. Forte e persuasivo. Comovente, sem ser piegas. Estudioso da arte da oratória, conhecia profundamente as técnicas de falar em público.

Certo dia, João, o orador político de sucesso, estava em seu escritório, sentado diante do computador, analisando um projeto de lei, quando recebeu um telefonema de Gustavo de Oliveira, um velho amigo. Gustavo contou que seus filhos Ricardo e Daniele queriam entrar na vida política e precisavam de algumas orientações. João pensou um momento e decidiu receber os jovens.

– Você ainda segue o Decálogo do Excelente Orador Político? – perguntou o amigo de João e este respondeu afirmativamente.

– O decálogo pode transformar qualquer homem num bom orador. Seus filhos precisam conhecer o decálogo – enfatizou João.

– Agradeço sua cortesia. Sempre me dediquei à minha empresa e nunca falei em público, mas você é o melhor e os guiará bem. Obrigado, muito obrigado.

No dia seguinte, Daniele estacionou seu carro às 18 horas e 50 minutos, olhou-se no espelho e passou batom. Saiu do carro e colocou o blazer preto sobre a blusa branca rendada. Esperou o elevador, chegou no escritório do Sr. João três minutos antes das 19:00 horas, o horário combinado. Ricardo se atrasou cinco minutos. O Sr. João cumprimentou os dois amavelmente, mas não deixou passar a oportunidade de dar uma lição.

– A pontualidade é sinal de responsabilidade – disse. - Não vou dar um sermão, vocês sabem que é chato esperar. Por que, então, deixar os outros esperando? Um orador que chega atrasado para sua própria palestra estará dando uma má impressão ao público, exceto em casos especiais.
Ricardo ficou sem jeito. Daniele disse: – Soube que é um orador bem sucedido além de um político de prestígio. Assisti a uma entrevista sua na televisão e achei maravilhosa.

– Eu estive presente no seu discurso de posse. Meu pai me levou – apressou-se a dizer Ricardo. – Foi fantástico... Acho que nunca vou conseguir pronunciar um discurso como esse.

– Claro que vai conseguir! Todo mundo pode falar bem em público e persuadir eleitores, se souber o caminho certo. É necessário treinar regularmente e esforçar-se muito. Além disso o Decálogo do Excelente Orador Político ajudou-me muito. Vou ensiná-lo a vocês.

– Desculpe, mas o que é decálogo exatamente?
– Decálogo... Decálogo... - repetiu o Sr. João, mexendo-se em sua cadeira giratória de um lado para outro. – Você deve ter escutado essa palavra na Igreja. Decálogo são os dez mandamentos da lei de Deus. Assim também cada arte pode ter um decálogo. Por exemplo, Horácio Quiroga, o contista uruguaio, escreveu o Decálogo do Perfeito Contista. Meu professor de Oratória, já falecido, me deu o que ele chamava do Decálogo do Excelente Orador Político, as dez regras básicas para falar em público e criar um impacto positivo nas pessoas.

– Aqui está – disse abrindo a gaveta da escrivaninha e tirando uma folha já amarelada pelos anos. – Já sabem o que é?

– O decálogo! – exclamou Ricardo.

– Comecemos, então. Aqui tem uma cópia do decálogo para cada um. Por favor, Daniele, fique de pé e leia em voz alta o primeiro conselho.

Daniele ficou de pé e pegou a folha. Era um pergaminho. Nele estava escrito:

– Por gentileza - disse o Sr. João - pegue a folha pela parte inferior com a mão esquerda. Quem gosta de gesticular pode pegar desse jeito. Caso contrário, pegue a folha também por cima com a mão direita. Verão que as mãos ficam em diagonal.
Daniele pegou as folhas e perguntou: - Assim está bem?

– Muito bem. Pode começar.

–  Primeira regra do decálogo: “O orador político deve saber decifrar o que o público quer. As comunidades têm necessidades diferentes. Aprofundar e conhecer a mente e o coração dos eleitores é o primeiro passo.”

– Nos meus 35 anos de vida política, tenho observado muitos aspirantes a cargos políticos. Por exemplo, apresentam sua candidatura para vereador cheios de entusiasmo. Alguns têm boas intenções, querem melhorar sua cidade, mas não conhecem a opinião dos outros moradores. Têm planos utópicos, parecem viver fora da realidade social e econômica de seu município. Suas propostas são vagas. Não apontam as soluções que o povo quer. Um deles, por exemplo, dias antes da votação, ofereceu um jantar para mais de mil pessoas num restaurante famoso da cidade. Tudo foi preparado até nos mínimos detalhes. Toalhas brancas nas mesas, flores, as pessoas foram escolhidas por profissões: engenheiros nas mesas 3 e 4, professores nas mesas 5 e 6, advogados, mesas 7 e 8 e assim por diante. As pessoas passaram um bom momento, comeram, gostaram e votaram num outro candidato. Ele perdeu. Muitos dos convidados pensaram: O que vai fazer este homem com o dinheiro público? Gastar em festas? Isso aconteceu porque o candidato não conhecia a primeira regra do decálogo. Ele não sabia como as pessoas pensam e reagem.

– Ele fez discurso no jantar? – perguntou Daniele, curiosa.

– Fez – respondeu o Sr. João – mas foi um discurso fraco. Não falou o que as pessoas queriam ouvir.

Como dizia meu professor de oratória, o público só quer escutar o que já sabe, mas depende da capacidade de o palestrante apresentá-lo sob um ângulo novo. No meu entender, do orador político se espera um discurso cheio de paixão, suas palavras devem ser de fogo para incendiar os corações dos homens. Spranger, o filósofo alemão, disse que nada grande foi feito no mundo sem paixão. Se querem ser políticos, devem sentir paixão pela vida política e propagar esse fogo pelas  palavras. E às vezes, às vezes... devem ter a coragem de dizer as coisas que as pessoas sentem ou pensam, mas temem dizer. Coragem é a primeira característica do político, se realmente quer cumprir seu papel na sociedade, que é o de modificá-la e melhorá-la.

– Desculpe, mas fiquei com uma dúvida: é possível saber como o povo vai reagir?

– Nunca existe 100% de certeza. Mas existe uma aproximação. Por exemplo, na época do presidente Collor, quando ele incentivou as pessoas a sair com as cores da bandeira, o pessoal saiu às ruas com os rostos pintados de preto. O impeachment era iminente. Ele não reconheceu os sinais de que o povo estava cansado de seu governo. Por isso, não achem que a primeira regra do decálogo -  conheçam a mente e o coração dos eleitores  - é algo que pode ser analisado apressadamente. Trabalhem. Saiam nas ruas e perguntem para o povo. O que você quer de um político? O que você quer melhorar em sua cidade? De que adianta você preparar um lindíssimo discurso  sobre como melhorar a situação nas cadeias se os cidadãos estão precisando de escolas para seus filhos? Eles podem ouvir, mas não vão se interessar.

Daniele e Ricardo entreolharam-se.
– Talvez foi isso  que aconteceu com o Tiago – comentou a moça.
– Quem é o Tiago?
– É um amigo nosso – respondeu Ricardo. – Eu achei muito engraçado o que ele disse... Acontece que o Tiago se candidatou  a vereador nas eleições passadas e perdeu. Quando teve a notícia de que perdeu, ficou louco de raiva e gritou: “O povo é desonesto. Dizem que os políticos são desonestos,  mas realmente o povo é desonesto.”

O Sr. João riu.

– Ele tinha feito obras sociais em seu município e esperava o voto das pessoas do lugar. Realmente eles haviam prometido votar nele, mas no dia da eleição evidentemente votaram em outro candidato.

Ele verificou os votos e viu que o bairro  que mais tinha ajudado era onde menos votos havia ganho. Dá para acreditar?

– Por que as pessoas votam? O que as move a escolher um candidato? Se nós, políticos, soubéssemos realmente o que determina os votos do eleitorado, não precisaríamos gastar tanto em campanhas políticas, acreditem.

A única coisa que podemos fazer é procurar entender os movimentos da alma do povo..

– No caso do Tiago, ele não sabe o que mudar... – disse Daniele

– Eu sei.... eu sei... é difícil entender a alma do povo. Todos estamos aqui para aprender. Vejam que todos os grandes partidos  gastam dinheiro em marketing, mas só um vence. Eu acho que a pergunta fundamental é a seguinte: por que um candidato desperta confiança e outro não? Talvez o amigo de vocês, o Tiago, apesar das doações e de ajudar as pessoas, não preenchia algum requisito que elas admiram num líder político.

– Eu acho ele um pouco tímido – disse Daniele. – E isso atrapalha.

– Atrapalha muito, Daniele. A timidez é uma limitação que todo orador político deve superar. Mas esse é outro ponto do decálogo. Vamos por ordem.

– Sr. João, peguei uma frase do livro de oratória de Milo O. Frank, Como Apresentar as Suas Ideias em 30 Segundos ou Menos. Posso ler?

– Pode, Ricardo, fique de pé e leia com emoção, por favor.

Ricardo levantou-se da cadeira, pegou a folha só com a mão esquerda e leu: Como a maioria das pessoas escolhe os políticos em que pretendem votar? Na televisão, todos os candidatos dizem a mesma coisa, por isso a maioria das pessoas vota naqueles com quem simpatizam, naqueles que lhes parecem mais seguros e sinceros. Não apostam no produto do político, mas no homem em si.

– Interessante – disse o Sr. João.

– Eu peguei um fragmento das Catilinárias, posso ler?


O Sr. João fez um gesto de afirmação com a cabeça.

Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há-de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda nocturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem? Quem, de entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste, que deliberações foram as tuas? 

Oh tempos, oh costumes! O Senado tem conhecimento destes factos, o cônsul tem-nos diante dos olhos; todavia, este homem continua vivo! Vivo?! Mais ainda, até no Senado ele aparece, toma parte no conselho de Estado, aponta-nos e marca-nos, com o olhar, um a um, para a chacina. E nós, homens valorosos, cuidamos cumprir o nosso dever para com o Estado, se evitamos os dardos da sua loucura. à morte, Catilina, é que tu deverias, há muito, ter sido arrastado por ordem do cônsul; contra ti é que se deveria lançar a ruína que tu, desde há muito tempo, tramas contra todos nós. 

- Um texto eterno, Ricardo. Leia novamente com mais emoção. Faça pausas para olhar o público.

Ricardo leu o texto em voz alta, levantando a voz quando havia pontos de exclamação, e depois baixando um pouco o volume de voz. O Sr. João elogiou a performance de Ricardo.

– Qual é seu texto, Daniele?

– Escolhi uma crônica que li na internet: "Por que lemos literatura":


"Lemos porque queremos entender a realidade de outro ponto de vista ou porque precisamos fugir dela por um momento para voltar mais lúcidos.

Lemos livros de ficção porque queremos saber como os outros vivem, enfrentam os problemas, como vencem ou como sucumbem. Lemos porque queremos ver refletido nosso eu no mundo dos personagens.

A força do teatro é o arroubamento emocional, a participação grupal – que alimenta, além do instinto estético, o instinto gregário do ser humano. Os espectadores estão na mesma sala assistindo à peça.

Ao contrário do teatro, a leitura é atividade solitária. Podemos falar sobre um livro com um amigo, familiar ou colega de trabalho. Mas lemos e nos emocionamos sozinhos. Contudo, um bom livro nos ajuda a suportar melhor a solidão. Por isso, os livros foram chamados de “bons amigos”. Estão sempre esperando os leitores.

No teatro, os personagens estão diante do espectador. A leitura, ao contrário, coloca em jogo a imaginação do leitor. No teatro as reações de qualquer pessoa da plateia podem ser observadas pelos outros.

A leitura dá lugar a expressões – como rir, chorar ― que muitas vezes, a pessoa oculta em público. Tanto a leitura de obras ficcionais quanto o teatro têm função catártica, mas as estradas são diferentes.

No final de uma peça, o público aplaude. Ao terminamos de ler um livro também podemos sentir desejos de aplaudir ou de criticar. Mas aplaudimos ou criticamos mentalmente.

Também podemos escrever nossas impressões ou procurar outras pessoas para fazer comentários ou trocar opiniões. Por isso é tão importante a criação de clubes de leitura. O ser humano é gregário e precisa de outros para dialogar e crescer.

Podemos entender que o esforço do escritor é ciclópeo. Ele precisa encontrar caminhos para chegar à mente do leitor e despertar o interesse. O importante é cultivar o hábito da leitura seja como fonte de informações, como caminho de autoconhecimento ou simples entretenimento.

Em síntese, lemos literatura para interpretar o mundo, para esquadrinhar a alma humana, para conhecer, para compreender, para sair do dia a dia rotineiro. Ítalo Calvino, Julio Cortázar e outros aconselham ler os clássicos.

Os clássicos passam valores enquanto desenvolvem histórias.O escritor Jorge Luiz Borges dizia que ler deve ser um ato prazeroso. Ler é vital para nosso desenvolvimento como seres humanos.
(Crônica de Isabel Furini)


Muito bom, e lembre também de olhar o público para manter o contato visual.

– É difícil ler e olhar o público.

– É difícil, sim, mas é importante. A técnica aconselha ler um parágrafo e fazer uma pausa.   Ler o próximo parágrafo e novamente fazer um silêncio para olhar a plateia.

– Quando vamos falar sobre liderança? – perguntou Ricardo.

– Quando analisarmos a regra sete do decálogo, vamos trabalhar um pouco sobre imagem e liderança. Mas, como dizia Napoleão Bonaparte, se queremos chegar longe, temos que ir devagar. Vamos nos concentrar na segunda regra do Decálogo do Excelente Orador Político. Leia, por favor, Ricardo.

“Fale a linguagem do povo.”


PRÁTICA:  LEITURA
Comece lendo um discurso de um autor famoso.
a) fique de pé e olhe o auditório;
b) pegue a folha pela parte inferior com os dedos indicador e polegar da mão esquerda;
c) deixe a mão direita livre para gesticular; e
d) leia com emoção, enfatizando as ideias mais importantes do discurso.

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